Rascunhos III (Eles)

Conjunturas sobre estruturas tortas
alicerces sem fundação nem fundamento
as bocas falam e cospem areia para os olhos
os nossos, que fechamos pois não queremos saber.
Utopia imagética, um exercício mental, um escape uma desculpa.
Não há mais que um ideal, haveria de haver mais?
Um conjunto de ideias e desejos, algo real mas sem força
nem tudo o que se quer o é, pois não é não.
Olhos nos olhos eles lá mentem com todos os dentes
a nós os burros, cada vez mais irracionais, nós.

Rascunhos II(Um dia assim será)

Hoje a cobra enrolou-se, olhando para as nuvens negras que pairavam sobre aquele teatro assolador. Golpes de espada cintilavam os céus batendo forte contra os escudos amolgados manchados de sangue e saliva, medo.
A chuva começou a cair lavando os corpos empilhados e os membros espalhados que pintavam o chão um pouco por todo lado, buracos crateras vermelhas e castanho claro.
A cobra por lá andava, movendo-se rapidamente mostrando a sua língua sibilante bifurcada alimentando-se dos odores do terror da putrefacção, podridão, agonia a morte aqui veio depressa, sem aviso sobre os homens sedentos de poder. Agora toda a carne todo o excremento é devorado pelos abutres e chacais que se lambuzam com o repasto deixado pelos deuses.
Aqui e ali pequenas chamas se erguem como se o inferno subisse a terra e fosse brotando das catacumbas em ebulição de lava e sangue. A cobra ainda ouve os gritos de desespero dos homens, mas assim o quiseram e agora…é tarde demais.

Rascunhos I(Uma Lembrança)

Está escuro e frio nesta sala,
num canto uma criança chora perdida, só
de cabeça tombada para frente entre os joelhos soluça
suas lágrimas correm cintilantes gotejando no soalho velho, gasto
Está escuro nesta sala
o cheiro a humidade é intenso e amargo, apertada e suja
por isso o menino chora, chora pois quem chora alivia a alma
Ontem, hoje e amanha
as tuas lágrimas lavarão as paredes sujas e o mundo
deixa lá, não te preocupes e solta a tua inocência, o teu coração
deixa-a transparecer deixa-a voar pelo ar pelas nuvens
Chora miúdo chora, lava a cara suja da lama impura
rebenta a porta do preconceito
E deixa voar a tua mente