Assim será

Tanta gente atrás de mim,
porque choram?
Pai, mãe, mana, que há tanto não vos vejo,
porque choram?
Em passo lento, em gritos apagados pelas lágrimas
soluços e canções no fundo da multidão,
porque choram?
Abraço a família, amigos e amores mas não sentem
porque choram?

Encaminho-me para o destino destinado a mim
a pedra é tão bonita negra onde o meu nome gravado
revela o inicio do fim ou o fim deste inicio.
Um beijo na testa já molhada pelas lágrimas
reluz e reflecte caras sofridas e tristes das minhas gentes.
E o meu corpo abala…este buraco foi feito para mim.

Uma pá cheia de terra
Pá cheia desliza vazia
Flores ao ar na campa caem
A luz finda a madeira estala
O peso é muito e o ar desvanece.

Ao Avesso

Hoje amanheceu ao contrário
ao avesso, onde o dia era noite
e a meia-noite o sol mentia
á lua do meio-dia que lavava a cara
enquanto o sol, esse sem luz dormia

Hoje, quando abri a janela
não havia por do sol, não
no seu espaço a lua luzia
e pesada flutuante la estava
onde o sol outrora estaria

Hoje, os ponteiros do tempo recuaram
o presente encarou nos olhos o passado
e fundiram-se criando um espelho
o relógio, sem mais espaço para andar parou
Silencio, penumbra, e frio

O Outro

Abre mais fundo em tristezas e feridas abertas
Cava arduamente em paralelos de granito
A cova já vai funda e é escura, não tem fundo
Comete a ousadia de lá entrares e respirar
Sente como é fria, sente o cheiro a metano
Embriaga te com a lenta decomposição da mágoa
Quem és tu que ousas sem olhar para trás
Quem és tu ser comum e mortal
Abre, abre cada vez mais fundo que encontras o troço
Não deixes que a areia húmida tape o buraco
São os pingos do teu suor que a derrubam
São as lágrimas da pele fustigada, rubra, sofrida e suja
Como te atreves, cava, cava cada vez mais fundo
E sucumbe a verdade, que nada encontrarás.

Desceu o pano.

Ahh,desisto
Desisto disto, não quero mais terra nem céu para me limitar
Desprendo me das nuvens e das chuvas molhadas que me pesam na roupa.
Desisto, podem ir fumar, beber, snifar droga, foder, vão vão, que eu fico.
Fico aqui sentado na minha cadeira a olhar para os dedos estalando-os um a um
Satisfeito?Não,aliviado,talvez.
Acabou se a sessão, o pano desceu,um,dois,três.
Espero que tenham gostado, boa noite, bom dia, enfim…adeus.

Animor

Vêm até mim meu amor, tentação
Senta-te ao meu colo e engole o meu desejo
Ofusca me com o teu brilho, luz crepuscular
Faz-me vir em ti e regar-te a pele suada de mim
Cansa-me, lambe-me, arrepia-me meu amor

Bate-me, arranha-me com o teu ódio
Entrega-te ao prazer, ao nosso prazer
Grita o meu nome, em nomes te vens
Enlouquece-me, põe-me doído a grunhir
Abraça-me beija-me, amor que bom

Equilibrium

Entre dois extremos existe uma ponte
Uma ponte frágil de madeira roída pelo bicho
Uma ponte que balança ao sabor do vento
Uma ponte vedada, pois é bom que o esteja

Entre dois extremos existe uma ravina
Uma ravina funda sem fim escura
Uma ravina onde passa um rio que se ouve
Uma ravina que esconde desgraça e morte

Eu sei, eu vou lá constantemente e consigo atravessar
Vou pelo ar quando estou bêbado do vinho
Desço pela ravina quando sou levado pelo ódio
Mato tudo e todos pois sou morte e desgraça
Sou a tragédia, sou a boca que mastiga o medo
Vomito e cuspo vezes sem fim a alegria
Deixo sempre o meu rasto para os chacais
Sou um morto vivo sedento de sangue.

Eu sei, eu vou lá constantemente e consigo atravessar
Vou pela ponte pois sou leve como a paixão
O vento não sopra não me desequilibra
Vejo com os meus olhos lavados o caminho a seguir
E mesmo se for pela ravina cravejada de sangue
Desço sem medo e de peito bem aberto cheio de amor
Nada me toca nada me odeia sou felicidade e consciência
Não paro, sou paz e tranquilidade e vou semeando equilíbrio.

Nem vi

Olhei para o fundo do túnel
não te vi a acenar, a dizer adeus
nem sequer cheguei a sentir o teu abraço
frio fugidio sem qualquer sentimento
Tudo morreu em ti, em mim, em nós
Entramos e sai-mos tão rápido
o tempo nem passou, morreu ali
e aqui fiquei longe de ti
o erro não vi, bateu, voou
Olhei para o fundo de mim
nada vi, nada, nem o amor, nada
só eco vazio inércia
enfim, não sei, foi rápido nem vi
O certo é que nem um beijo me deste

Cruel

Numa rua fria e húmida, uma mulher passa coxa, a correr
Olha para trás assustada, alguém a persegue alguém a assusta
Ai vem em passos calmos perseguindo de uma forma medonha
Passo a passo ao sabor da chuva mascarado pela escuridão

Quase sem respirar a mulher cai ofegante enrolando-se nas poças
Sujando o seu vestido verde-esmeralda de lama descosendo fino linho
Arrasta-se tremendo agarrando-se já sem força a cada paralelo molhado
Como se fosse uma escada como se fossem degraus, mas ela não sobe, desce
Cada vez mais fundo cada vez mais para o desespero que lhe tomava conta do rosto
Molhado e enrugado pelo esforço da sua expressão.

Ao som de unha partida, um pé pisa-lhe a cabeça
Um grito, um não que se solta entre os lábios mordidos
Seus olhos findam, a faca rasga-lhe as costas e seu sangue escorre
Escorre pela sarjeta alimentado o submundo.

Dor dor dor

Dor dor dor
dor que desatina
um sino que afina
pedaço de terra seca
longa etapa sem fim

Dor dor dor
algures existe água
sozinha virgem mágoa
tela negra sem sentido
chora chora que isso passa