A esperança de um homem

Quantas mais lanças irão atravessar o meu peito
quanto mais sangue deixarei escorrer do meu corpo
Não vale a pena verter lágrimas de tristeza, não vale
vale sim olhar para o vale solarengo para o horizonte
olhar com esperança e vontade de a agarrar firmemente
Não vale a pena cair de joelhos no chão sem vontade
tudo se resolve, o tempo cuidara disso e de mais cuidará
O sufoco não tarda em partir, partirá de bolso vazio sem nada
há que erguer a cabeça e olhar em frente, eu estou bem
A vida tem tanta coisa boa apesar dos obstáculos e caminhos íngremes
mas são estas dificuldades os sal da vida, o açúcar do crer do estar presente
Há que subir as escadas velhas que rangem com muita prudência
mas hei de lá chegar, saber esperar é uma virtude agarra-a com força
não a deixes escapar.

Tulipas

Murcha, pinga orvalho, murcha
Máquina enferrujada cose pano e pano
Calçada mal colocada tropeça na peça
Corre João corre-corre João
Ferrolho aberto uma porta fechada
Maldisposta a trindade assalta o homem
Virtude, vida, orla do mar.
Agora que teimam todos sair ao mesmo tempo
Vão se espezinhando de peito aberto costas no chão
Berra mulher berra que ele caiu a água, fogo labaredas de medo
Choro grito levo as mãos a cara, lavo as mãos na cara, lavo a cara nas mãos
O barco não chega afundou-se nada João nada nada João não é nada
Mulheres na areia abusadas, sangrentas as cestas sem peixe
Pedaços do homem, pedaços, pedaços

Um vida na teia

Teia de aranha peganhenta agarrada por um fio
fio esse que finda e finta pois afunila faminta fé
torso arrancado despojado enrolado em cinza
de um pé acesso derretido, derretendo, eu.

Vem a fome que fomenta aguaceiro pesado
triste a palma da mão enxovalhada, rugosa
duro e doravante sólido compacto crer
voa alto a mosca tosca que cega zumbindo

Palavras que espalham com o pó seco
tosse convulsa confusa otite rota
em falange vem a centúria de espadas
caindo nas paredes manchas sem nexo

Mendigo mendiga por fome desgarrada vontade
descarrega emoções que voam aos encontrões
a aranha vem sedenta mendigando o pão
enquanto defeca e alimenta os seus parasitas.

Apenas é tudo

Serei uma célula do espaço
uma partícula de pó que cega
Serei dedo de Deus sozinho no escuro
em queda livre, em silvas me corto

Serei dia que acorda tapado
uma estrela que explode e encandeia
Serei uma canção de poeta tão bem inacabada
ou um copo de absinto rachado, vertendo

Serei a chuva que limpa a pele morta
Serei um caco de um cacto que viveu outrora
Serei um pedaço de glória mumificada
ou um rasgo de historia passada

Serei tudo de tudo que foi inventado
sangue que escorre seiva da vida
Serei a inchada que decapita a escrita
uma tremedura desgraçada um ardor de uma vida

Quadro

O vento sopra entre folhagens secas de Outono
seu ruído assusta as aves que dormindo empoleiradas
nas ramagens secas de uma oliveira moribunda
fogem em bandos disformes, sem brio, nem direcção certa.
Sopra, sopra o vento forte afastando secos fetos vermelhos
e as copas dos pinheiros tão altas que beijam o céu.
Ouvem-se passos arrastados
Quebra-se o silêncio
Um tiro ecoa, alguém foi morto, alguém deixou em terra a sua vida
voando agora em círculos com o vento frio que corta, entristece.
Loucura, ou a apoteose de uma vida que finda.

A Demanda

Verga a mola que te sustenta
amolga e corta que a mola é forte
Salta salta de azar sem sorte
Entorta a mola que te contenta
Viril, sonhaste com a tômbola da morte
satisfeito, derretido, a morte é sagaz
Agora roda gira a mola torta
foco sem luz aço quebrado frio
O sentido não faz sentido
se não o souberes encaminhar
porem tu velho louco despido
caminhas ainda para te encontrar.

Áurea

Roucas tresmalhadas palavras que queimam a garganta
e dão alimento a língua, molhada, sedenta de ti
Soltas, vibram fugidias, setas aguçadas que me tocam
e fazem arder a tua alma, quando chegas ate mim
Profundo desejo, energia pura, luz, calor eterno
O toque da pele, o nosso agarrar, é um suave alívio
que quando o beijo toca no sentimento, ai há medo
mas os olhos brilham e reflectem vida, numa áurea
que com paixão agarramos e soltamos, brincando
soprando-a com um leve suspiro, uma brisa que te abraça.

Ruídos

Silêncio, silêncio
Que barulho é este a minha volta
Cada esquina, cada buraco, cada pedaço de ar
está repleto de histórias mal contadas
tanta ignorância e falta de tacto
Silêncio, já disse
Ruído, mentiras, vozes, sussurros secretos
que desilusão tantas bocas repletas de merda
de quem nunca me estendeu a mão.
Inveja, ciúme, ou simples curiosidade?
Não sei, mas também não quero saber.
Silêncio, calem-se já disse

Todos os dias...

Todos os dias desde que te conheci
Que a barragem que criei para guardar os meus sentimentos
é violada, furada, quebrada pedra a pedra, lentamente
deixando escorrer a agua em grandes cataratas cheias de força
que fluem por campos secos dos meus receios.
Todos os dias desde que te conheci
que nascem novos pastos de felicidade
enquanto eu, como se fosse uma formiga
vou agarrando nos tijolos que vão caindo
E tento erigir novamente a barreira que eu próprio criei
o esforço é inútil, é em vão, eles caem na mesma
tal é a força presa e o desejo guardado.
Que se lixe, a agua que caia, os sentimentos que voem
que nasçam árvores e que se criem verdes campos
Não tenho medo, não posso ter.
Se a agua secar, um dia choverá, e tudo recomeçará novamente…que se lixe.